Dois pensamentos aos leitores e leitoras deste blog.

Dois pensamentos de boas-vindas aos leitores e seguidores deste blog:
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terça-feira, 20 de abril de 2010

Especial: Jubileu de Ouro de Brasília - Jubileu de Ouro da Arquidiocese de Brasília - Homenagem a Tiradentes com o polêmico tema: A associação entre Tiradentes e Jesus Cristo, um Cristo Cívico que teve início quando? O tema parece esquisito ... Leia-o e tudo ficará esclarecido.




Nossa gratidão a Deus
1º Jubileu de Ouro de Brasília, Capital do Brasil!
2º Jubileu de Ouro da Arquidiocese de Brasília!

PARABÉNS!!!



Nesta terça-feira, às 23h, o Altar Monumento da Esplanada dos Ministérios sediará a missa solene de abertura das festividades do Jubileu de Ouro de Brasília. Presidida pelo arcebispo da cidade, dom João Braz de Aviz, a celebração fará memória ao início da capital federal. A comemoração continua durante todo o dia 21 de abril.
O secretário-geral do Congresso Eucarístico Nacional (CEN), monsenhor Marcony Vinícius Ferreira,  explica o motivo do horário: “Essa Missa é um marco histórico. Foi Juscelino Kubitschek que, há 50 anos,  pediu que a missa fosse realizada às 23h do dia 20 de abril, no Palácio  do Planalto, porque ele queria entrar no dia 21 sob orações”.
Darão sequência às festividades dos 50 anos de Brasília, no âmbito católico, a 48ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), entre 4 e 10 de maio, e o Congresso Eucarístico Nacional (CEN 2010), entre 13 e 16 de maio. A expectativa é que 300 mil pessoas compareçam ao CEN 2010.
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A tradição foi um pedido de Juscelino para alcançar bênçãos para a capital

No próximo dia 20, às 23 horas, o Altar Monumento da Esplanada dos Ministérios sediará a Missa Solene que abrirá as festividades do Jubileu de Ouro de Brasília. Presidida pelo arcebispo da cidade, Dom João Braz de Aviz, a celebração fará memória ao início da cidade. A comemoração continua durante todo o dia 21 de abril.
 O secretário-geral do Congresso Eucarístico Nacional, Monsenhor Marcony Vinícius Ferreira,  explica o motivo do horário: “Essa Missa é um marco histórico. Foi Juscelino Kubsticheck que, há 50 anos,  pediu que a missa fosse realizada às 23 horas do dia 20 de abril, no Palácio  do Planalto, porque ele queria entrar no dia 21 sob orações”.

Darão seqüência às festividades dos 50 anos de Brasília, no âmbito católico, a 48º Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, entre 3 e 10 de maio, e o Congresso Eucarístico Nacional (CEN 2010), entre 13 e 16 de maio. A expectativa é que 300 mil pessoas compareçam ao CEN 2010. 


Informações:
Assessoria de imprensa – CEN 2010
Jornalista responsável: Patrícia Quinderé

Tel.: (61) 3224-9827 / (61) 8574-0493
e-mail: imprensa@cen2010.org.br 
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50 Anos depois...


Escrito por Anderson Mendanha   


O nascimento oficial de Brasília, como cidade e capital de nosso país, foi precedido da celebração da Santa Missa à meia noite de 21 de abril de 1960

A celebração foi presidida pelo legado do papa João XXIII, o Card. Cerejeira, arcebispo de Lisboa.
Na tarde deste dia, foi instalada a arquidiocese de Brasília e tomou posse seu primeiro arcebispo, Dom José Newton de Almeida Baptista.

É preciso, no entanto, voltar o olhar um pouco para trás, para aquela manhã de 3 de maio de 1957, quando foi celebrada a primeira Missa oficial no Planalto, onde seria construída Brasília, pelo Cardeal Carmelo Mota, arcebispo de São Paulo.

A arquidiocese de Brasília nasceu com 5 paróquias desmembradas da arquidiocese de Goiânia, sem qualquer estrutura material e pastoral propriamente arquidiocesana. Pouco a pouco, foram criadas novas paróquias. Surgem movimentos de leigos. E instituições sociais e pastorais.
Ao assumir o governo pastoral da arquidiocese de Brasília, há 26 anos, o que, e chamou a atenção, foi a atuação de um laicato entusiasta e cheio de ardor apostólico.

Brasília era um grande desafio pastoral por sua própria fisionomia humana. Uma população provinda de todos os Estados do Brasil, especialmente de Goiás, Minas Gerais e Nordeste, pessoas sem raízes humanas e sociais no Planalto.

50 anos passados, Brasília e as cidades satélites têm uma fisionomia humana própria. Sua população é em grande parte originária desta terra. Enriquecida com pessoas de outros Estados e Nações. Brasília é hoje história. Uma tradição. Uma cultura, enraizada na fé cristã, especialmente na fé católica.

Uma fé que se enraíza nos corações e nas mentes, mas se irradia na comunidade humana: na família, no lugar de trabalho, nas instituições. Há, não há a negar, grandes desníveis sociais e violência crescente. Chagas das grandes cidades e de nosso País. Mas há, sem alarde, os gestos de generosidade e serviço mútuo, de trabalho honesto para o bem de toda a comunidade e a vontade de fazer desta cidade berço de uma grande civilização.

Brasília, em seu jubileu, não é só a grandiosidade de sua arquitetura, mas sobretudo seu povo consciente de seu papel na construção humana, social, econômica e política de nosso país.
Brasília não é apenas suas igrejas, seus ministérios, suas embaixadas, suas praças, a beleza de seus gramados, mas especialmente os cristãos que procuram testemunhar sua fé nos lugares de trabalho e no exercício de suas profissões.

Parabéns, Brasília, nesta celebração jubilar de seu nascimento e da criação de sua Arquidiocese.

Cardeal José Freire Falcão
Arcebispo emérito de Brasília 

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Congresso Eucarístico Nacional tem tudo a ver com os 50 anos 

de Brasília, diz Dom João Braz de Aviz

Da CNBB
CEN_2“O 16° Congresso Eucarístico Nacional será um momento de celebrar o jubileu da arquidiocese juntamente com os 50 anos da cidade de Brasília, porque a história dessa capital tem tudo a ver com a história do nascimento da Igreja particular de Brasília”. A afirmação é do arcebispo de Brasília, dom João Braz de Aviz, durante a coletiva de imprensa que aconteceu na tarde desta terça-feira, 13, na cúria metropolitana.
Dom João comentou que foi secretário do 13º Congresso Eucarístico de Vitória (ES) e que o acontecimento mudou a cara da cidade durante a semana do evento. Ele destacou que sua pretensão, desde que chegou a Brasília, em 2004, é fazer um Congresso que marque também os 50 anos da capital. “Eu pensei para o aniversário de 50 anos de Brasília um acontecimento religioso que marcasse a cidade da mesma forma que o 13º Congresso mudou a cara de Vitória. Até mesmo o prefeito da cidade na época, hoje governador do estado, afirmou que o município viveu um ‘estado de graça’ nos dias do CEN. 

Impressionou a quantidade de violência que diminui em Vitória durante o evento”.
O arcebispo também falou sobre a programação do CEN. “A Esplanada dos Ministérios”, disse ele, “será um dos centros do evento ao longo dos dias 13 e 16 de maio”. O altar-monumento, com 23 metros de altura e 150 de largura, construído em frente ao Congresso Nacional, já está quase pronto para receber cerca de 300 bispos e 2 mil sacerdotes durante as celebrações. “Ali vamos realizar grandes celebrações eucarísticas e momentos de reuniões. Contamos com a participação de 300 mil pessoas ao longo do Congresso”, antecipou o arcebispo.

Para dom João, os 50 anos da capital brasileira representa muito também na vida da Igreja. Ele relembrou um pouco dessa história e ligação da Igreja com a nova capital, logo quando foi anunciada a construção de Brasília. “Celebrar o Congresso Eucarístico Nacional em Brasília no aniversário de 50 anos da capital é muito importante porque Brasília vai ser também a capital nacional da eucaristia e isso relembra grandes acontecimentos, pois nossa Igreja particular não existiria sem a capital e essa visão nós trazemos para o Congresso. É importante ressaltar também que a cidade, desde seu nascimento, teve um rosto voltado para a Igreja, algo importante que o Congresso irá resgatar com exposições, fotografias históricas”, disse dom João.
CEN_1Outro ponto destacado pelo arcebispo é a participação do enviado da Santa Sé ao Congresso, o cardeal prefeito da Congregação para o Clero, dom Claudio Hummes. Ele vai participar de seis atividades durante o evento. Sobre a participação de outros bispos, dom João disse que a maioria, cerca de 300 a 350 bispos, deverá participar do Congresso, isso porque a 48ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil vai acontecer entre os dias 4 e 10 de maio, em Brasília, possibilitando assim a participação dos prelados no 16º CEN.

Simpósio de Teologia e Bioética

Nos dois primeiros dias, o Centro de Convenções Ulisses Guimarães receberá os simpósios de Teologia e Bioética. Os eventos terão como foco o tema “Pão da Unidade dos Discípulos Missionários” e o lema “Fica conosco, Senhor!”. Segundo dom João, os dois simpósios trarão para o Congresso temas ligados ao atual cenário político e social brasileiro, bem como a concepção da vida até a morte natural.
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Arquidiocese de Brasília lança revista

para comemorar seus 50 anos


Autor: Gaudium Press
Secção: Brasil
 
Brasília (Segunda, 08-02-2010, Gaudium Press) A arquidiocese de Brasília comemorará 50 anos de existência no dia 21 de abril de 2010. Em razão disso, está sendo preparado para a data o lançamento de uma revista comemorativa com informações relevantes sobre a arquidiocese. O exemplar abordará, entre outros assuntos, a história, organização e a composição da arquidiocese brasiliense, além de dados sobre festas, eventos, templos e ações pastorais. O intuito é que a revista se transforme em um grande documento para a Igreja de Brasília.

Sobr eo processo de busca de informações para a composição da revista, o coordenador do projeto, Padre André Lima, afirma que houve algumas dificuldades no processo, já que esta é a primeira vez que a Igreja de Brasília faz um levantamento de seu histórico. "Os dados estavam dispersos", diz. Contudo, com a ajuda de diversos colaboradores que estão desenvolvendo o projeto, os obstáculos, pouco a pouco, foram superados.

Segundo a arquidiocese, para reunir todas as informações foi necessário um árduo trabalho de pesquisa e coleta de materiais que durou cerca de quatro meses. A publicação, agora em processo de diagramação, conta com entrevistas do arcebispo emérito de Brasília, Dom José Freire Falcão, de pessoas que assistiram a primeira missa celebrada em 1957 na Capital Federal e de pessoas que estiveram presentes nas visitas que o Papa João Paulo II fez à capital do país.

O conteúdo da revista também se deve a pesquisa em arquivos da Cúria arquidiocesana, no Arquivo Público do Distrito Federal, no arquivo da Radiobrás e em acervos pessoais.

Além da edição da publicação comemorativa, os 50 anos da arquidiocese de Brasília e da Capital Federal serão celebrados com a realização do XVI Congresso Eucarístico Nacional, entre os dias 13 e 16 de maio

História de Brasília

Primórdios

A primeira vez no mapa
 
NO CENTRO DO PAÍS
O espaço destinado ao futuro Distrito Federal, definido em 1893, aparece no Pequeno Atlas do Brasil, de 1922. O ponto demarcado era conhecido como Quadrilátero Cruls, referência à missão exploratória

A primeira vez no cerrado
OS PÉS NA IMENSIDÃO
Às 7h45 de 2 de outubro de 1956 o DC-3 da Força Aérea Brasileira decolou do Aeroporto Santos Dumont a caminho do ponto onde seria erguida Brasília. A pista de 2 000 metros para pouso tinha sido construída na véspera. Depois de descobrir "a vastidão desconcertante do vazio", Juscelino Kubitschek escreveu no Livro de Ouro: "Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino".
PLANALTO CENTRAL - 2 | 10 | 1956
FOTO: Jean Manzon

O primeiro cruzamento
DOIS EIXOS
Para o antropólogo carioca Milton Guran, a imagem destas páginas é "a mais extraordinária fotografia do Brasil moderno, um registro seminal que simboliza o momento em que o brasileiro tomou posse efetiva de seu destino". O fotógrafo Mário Fontenelle, a bordo de um monomotor, pediu ao piloto que voltasse: "Quero fazer esta foto". Ela mostra o cruzamento do Eixo Monumental com o Eixo Rodoviário, o Eixão, o ponto zero da cidade imaginada pelo urbanista Lucio Costa. A história desculpa a precariedade do registro.
BRASÍLIA - 1957
FOTO: Mario Fontenelle/Arquivo Público do Distrito Federal

Os primeiros projetos
QUATRO MOSQUETEIROS
Debruçados na maquete da cidade que nascia, Oscar Niemeyer (à esq.), Israel Pinheiro, presidente da Novacap, Lucio Costa e Juscelino Kubitschek observam o avanço nas obras da Praça dos Três Poderes. Naquela altura, o Palácio da Alvorada já tinha sido inaugurado.
BRASÍLIA - 22 | 11 | 1958
FOTO: Mario Fontenelle/Arquivo Público do Distrito Federal

Brasília, 50 anos
DE LONGE, A PERFEIÇÃO
Inchado na periferia, com 2,6 milhões de habitantes, o Plano Piloto da capital federal visto do espaço tem o formato imaginado por Lucio Costa. De cima, a distância, nada parece afetar o traçado elaborado em 1957
BRASÍLIA - 2008
Foto a partir do satélite Ikonos
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Personagem

O presente contínuo de Oscar
O passado de arquiteto tombado sempre incomodou Niemeyer, mais interessado nos trabalhos que faria do que naqueles já construídos

Sérgio Rodrigues
Foto: Rene Burri/Magnum
IMODESTO
"As colunas do Alvorada podiam ser mais fáceis de construir, sem aquelas curvas. Mas foram elas que o mundo inteiro copiou"
Brasília – c. 1960

Dias antes de ser internado no Hospital Samaritano, no Rio, no fim de setembro, para a retirada da vesícula e de um tumor no cólon, o arquiteto de Brasília recebeu
VEJA para dar sua versão do nascimento da cidade artificial.

Oscar Niemeyer, o homem que ensinou o concreto armado a voar, completará 102 anos no próximo dia 15 de dezembro, mas ainda é capaz de se assombrar quando recorda a aventura quase impossível da construção de Brasília. "Fico espantado", diz a VEJA, corpo miúdo engolido pela cadeira na sala dos fundos de seu escritório voltado para o mar de Copacabana, onde, devido à dor em uma vértebra fissurada, já não tem podido aparecer para trabalhar com a disciplina partidária que sempre marcou sua carreira. "O problema era erguer uma cidade em menos de cinco anos, então a minha parte era fazer uma arquitetura mais simples, mais fácil", lembra, sob o olhar de um Dom Quixote de sucata. Uma sombra de sorriso maroto passa por seu rosto vincado. "Mas não fiz nada disso. Por exemplo: as colunas do Alvorada podiam ser mais fáceis de construir, sem aquelas curvas. Mas foram elas que o mundo inteiro copiou."

Espanto é uma palavra-chave no discurso de Oscar, como o chamam amigos e colaboradores. Resume o efeito de beleza inesperada que toda boa arquitetura deve provocar, segundo a cartilha que ele conserva inalterada desde a juventude. A ideia é que "o sujeito pare e se espante". No caso de Brasília, diz, "a arquitetura de fantasia valeu a pena porque tornou a cidade mais conhecida", mas a mesma certeza já estava em sua cabeça quando projetou, no início dos anos 40, o curvilíneo conjunto da Pampulha por encomenda de Juscelino Kubitschek, então prefeito de Belo Horizonte. Niemeyer sempre enfatizou – e volta a enfatizar agora, por via das dúvidas – que na capital mineira foi plantada a semente da nova capital federal. O futuro presidente desenvolvimentista encontrara seu arquiteto. E seu arquiteto encontrara um estilo – para sempre. 

O busto de Lenin sob uma das prateleiras arqueadas de livros que forram as paredes não é o único sinal de desafio ao tempo no ar do escritório, que Niemeyer continua perfumando com a fumaça de sua cigarrilha. "Uma coisa que eu noto quando olho para trás é que, quando comecei Brasília, eu pensava exatamente igual a hoje", diz, a voz baixa – mas ainda clara –, cheia de curvas e chiados cariocas. Essa resistência de concreto das ideias que o moldaram explica muita coisa, desde a coerência de sua obra ao longo de tantas décadas até o fato de que, entrevistado hoje, ele continua produzindo respostas – às vezes com as mesmas palavras – que já estavam em seu livro Minha Experiência em Brasília, lançado em 1961. Lá, como aqui, se encontram expressões-chave como "liberdade plástica", as curvas femininas como inspiração, imagens poéticas sobre "palácios suspensos, leves e brancos, nas noites sem fim do Planalto".

Foto: Paulo Vitale
Avesso a mudanças
"Uma coisa que noto quando olho para trás é que, quando comecei Brasília, eu pensava exatamente igual a hoje", diz
Rio de Janeiro – 2009

Envelhecimento físico à parte, o homem mudou pouco. Tanto nas convicções políticas – continua fiel ao comunismo e admirador do ditador soviético Josef Stalin, que diz ter sido "demonizado pela mídia" – quanto na capacidade de se entusiasmar com o trabalho. É difícil mantê-lo interessado por muito tempo na conversa sobre uma cidade construída há meio século, mesmo sendo a cidade um caso provavelmente único na história de tela em branco entregue ao gênio de um arquiteto. Niemeyer vibra mais ao falar dos prédios oficiais que o governador mineiro Aécio Neves lhe encomendou, do teatro que está sendo erguido neste momento na cidade argentina de Rosario ou da praça "fantástica, monumental" que projetou para o governo do Cazaquistão. Não é por acaso que, após uma união de 76 anos com Annita, que morreu em 2004, ele se casou novamente há três anos com Vera Lúcia Cabreira, 62 anos, sua secretária desde 1992. Seu tempo de vida se dilata para abarcar uma filha, quatro netos, treze bisnetos e cinco trinetos, mas parece um presente sem fim.

Desse ponto de vista, entende-se que Brasília esteja "tão longe", como ele diz ao justificar uma de suas muitas lacunas de memória sobre os anos de 1956 a 1960. É possível que a distância seja uma metáfora daquela, geográfica, que quase o fez desistir da encomenda de JK ao pisar pela primeira vez na desolação poeirenta do Planalto Central. Nesse caso, porém, trata-se de uma distância medida no tempo e não no espaço. Nas palavras de Niemeyer, os cinquenta anos da capital do país ora se espicham em "oitenta", ora sofrem um abatimento para virar "quarenta, sei lá". 

Não se trata de falta de lucidez, mas de desapego a detalhes. Da experiência de Brasília ele preservou, como repetiu em centenas de entrevistas, o prazer da convivência com os amigos que levou consigo – "nem todos arquitetos, alguns só para a gente poder conversar e esquecer a arquitetura" – e os animados saraus promovidos por JK ao som do violão de Dilermando Reis. Mas guardou sobretudo a sensação de ter vivido uma utopia igualitária, morando nas mesmas casas geminadas dos operários e comendo ao lado deles no mesmo restaurante, "como uma grande família, sem preconceitos nem desigualdades". Pronta a cidade, registrou em Minha Experiência... sua decepção com o fim do sonho: "Agora tudo mudou, e sentimos que a vaidade e o egoísmo aqui estão presentes e que nós mesmos estamos voltando, pouco a pouco, aos hábitos e preconceitos da burguesia que tanto detestamos".
Foto: Arquivo Público do Distrito Federal
MAQUETE
O arquiteto no escritório da Novacap vislumbra a cidade que começa a nascer
Brasília – c. 1957/1960
Antes do choque de realidade, contudo, houve tempo de escrever um épico. "Era aquele sol, a terra vazia e cheia de poeira. Tínhamos de tomar banho de manhã e à noite. Era uma coisa radical", recorda. Coube ao arquiteto escolher – ou algum verbo semelhante que inclua uma dose de aleatório, como seria de esperar em terreno quase desprovido de marcos e acidentes – o local onde seria fincado o Palácio da Alvorada, antes de existir o Plano Piloto, "com capim a nos bater nos joelhos". Os projetos saíam de sua prancheta diretamente para a mesa do calculista, Joaquim Cardozo, e o próprio original seguia então para a obra. "Não havia programas", diz Niemeyer, referindo-se à falta de informações minimamente precisas sobre as construções que lhe cabia projetar. Na companhia de Israel Pinheiro, presidente da Novacap, visitava pessoalmente as instalações governamentais no Rio de Janeiro para contar salas, medir espaços – e depois multiplicar tudo por dois ou três. O que ainda seria pouco. "O Palácio do Planalto foi feito para 150 pessoas. Tem 600", diz. O clima de improviso não excluía questões financeiras. Niemeyer concebeu tudo o que Brasília tem de monumental recebendo um salário de funcionário público, mas, quando faltou dinheiro para construir o chamado Catetinho, a residência de madeira que abrigaria o presidente da República durante as obras, o próprio arquiteto e outros amigos de JK levantaram empréstimo num banco.
Foto: Arquivo do Memorial JK
ARQUITETO OFICIAL
Com JK, uma relação de pouca amizade mas muita confiança, desde os primeiros projetos da Pampulha
Brasília – 1959
"Foi um período que me afastou de muita coisa", lembra. Seu pai, também chamado Oscar, morreu quando ele estava "no meio do deserto". Por questões de segurança, sua mulher, que ficou no Rio, deixou a Casa das Canoas, a bela residência de concreto e vidro que ele construíra no início dos anos 50 (hoje tombada pelo Patrimônio Histórico e parte da Fundação Oscar Niemeyer), e se mudou para um apartamento. Avesso a viagens aéreas, o arquiteto sofreu um grave acidente de carro a caminho do Rio que o deixou preso "por um mês" a uma cama de hospital. Niemeyer parece levar em conta todo esse investimento pessoal quando, comentando a recente polêmica sobre o projeto da monumental Praça da Soberania, que a comunidade brasiliense rejeitou, declara magoado: "Eu achei que tinha o direito de fazer essa praça". O tombamento da capital do país o incomoda. "Se o Brasil fosse tombado, o prefeito Pereira Passos não teria feito essa avenida tão importante", diz, referindo-se à Rio Branco, artéria de inspiração parisiense rasgada no centro do Rio de Janeiro no início do século XX. "Tudo muda. Quando a água do polo derreter, o mar vai subir e todas as cidades litorâneas terão de ser modificadas", especula. A Praça da Soberania está na gaveta, mas o presente contínuo de Oscar Niemeyer ainda tem vista para o futuro. 

Engenharia
A saga da construção

 
Há uma única unanimidade, o épico feito de erguer
uma metrópole do nada em menos de quatro anos


Ronaldo Costa Couto
Foto: Marcel Gautherot/Instituto Moreira Salles
SENADO FEDERAL
Brasília - c. 1957

Veja também
Quadro: Três anos e sete meses de trabalho
Rio de Janeiro, Copacabana, 1961. A carioquinha de 5 anos adora Brasília e JK é amigo de seu pai. Ela provoca a babá:

– Quem fez o céu?
– Foi Deus.
– E o mar?
– Foi Deus.
– E eu?
– Também foi Ele, menina. Foi Deus quem fez tudo.
– É. Mas Brasília foi o Juscelino.
Polêmica muito antes de nascer, apaixonadamente idolatrada ou execrada, Brasília produziu pelo menos uma unanimidade, talvez a única: sua construção no ermo goiano em apenas 43 meses, desde a primeira vez em que JK pôs os pés no cerrado, é um feito admirável. Do governo, da arquitetura e da engenharia, dos construtores e técnicos, do exército de candangos movido a necessidade.
Palácio do Catete, meados de setembro de 1956. O Congresso aprova o projeto de lei da construção de Brasília. JK comemora a notícia com lágrimas. Diz ao velho amigo Joubert Guerra, companheiro desde os tempos de prefeito de Belo Horizonte: "Hoje é o dia mais feliz da minha vida. E sabe por que o projeto foi aprovado? Eles pensam que não vou conseguir executá-lo".


Foto: Marcel Gautherot/Instituto Moreira Salles
ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS
Brasília - c. 1958

O deputado oposicionista goiano Emival Caiado, entusiasta da mudança, havia lhe contado o acontecido nas entranhas udenistas. Só aprovaram porque concluíram que Brasília inacabada seria o túmulo político do presidente. Quando o udenista Adauto Lúcio Cardoso perguntou ao líder Carlos Lacerda se a capital ia mesmo mudar, ouviu: "Vai nada. Juscelino não é de nada. Isso aí vai é desmoralizá-lo, porque ele não dará conta".
Provocação e desafio. Brasília agora, além de prioridade, é questão de honra para JK. O sucesso e a velocidade da construção passam a ser parte de seu jogo de sobrevivência e afirmação política.
A aprovação do projeto, vitória fundamental, garante a criação da Novacap, empresa que comandará o planejamento, a urbanização e a construção com carta branca. Sancionado sem alarde, converte-se em lei em 19 de setembro de 1956. JK ganha ampla liberdade de ação para construir Brasília – ainda sem definição da data de inauguração.
Mas quem dirigirá a poderosa empresa? Precisa ser alguém confiável, identificado com a causa mudancista, experiente em obras, de pulso forte. Ou seja: precisa ser o enérgico engenheiro Israel Pinheiro da Silva, homem franco, de poucas palavras e sorrisos, e de muita ação. O problema é que ele e a família estão muito bem e felizes no Rio de Janeiro. Deputado federal, preside a cobiçada Comissão de Orçamento.
É complicado tirá-lo de lá para ir trabalhar e morar no mato. Complicado e constrangedor. Por duas vezes, JK esteve com ele, rodeou, rodeou, e não fez o convite. Era urgentíssimo, precisava dar um jeito. Acionou então o PSD mineiro. Logo inventaram um pretexto e costuraram um voo de Belo Horizonte ao Rio em que os dois ficariam à vontade. O pequeno avião decolou, passou Santos Dumont, Barbacena, Juiz de Fora, e nada. JK falava sobre política, governo, Minas, Diamantina, família, o tempo e o vento, mas não entrava no assunto. Depois de Petrópolis, quase chegando, Israel resolveu a parada: "Tá bem, Juscelino, você não precisa me convidar, eu aceito".
Israel é nomeado em 24 de setembro de 1956, juntamente com o diretor executivo Bernardo Sayão – o novo bandeirante de JK, vice-governador de Goiás e exímio engenheiro construtor de estradas – e o diretor administrativo Ernesto Silva. O quarto nome saiu de lista tríplice da UDN: o deputado mineiro Íris Meinberg. Chefe do Departamento de Urbanismo e Arquitetura: Oscar Niemeyer.
Estava quase tudo pronto para a grande aventura. Só faltava o dinheiro. Como financiar o megaprojeto, pesado até para as grandes economias desenvolvidas? JK dizia que os recursos sairiam de sua cabeça. Argumentava que o crescimento rápido resultante da escalada de investimentos produziria novo equilíbrio da economia, num patamar mais alto. Terminaria por estabilizar a moeda e as finanças públicas. Precisava desse discurso que sobrepunha a política à economia política. Tinha de fazer gastos que estarreciam e arrepiavam especialistas e assessores do porte de Roberto Campos e Lucas Lopes. O Plano de Metas exigia gastos públicos monumentais.
Prédios do Exército. Sertão de Goiás, cerradão bruto, local da construção de Brasília, 2 de outubro de 1956, dia bonito, primeira visita de JK. O veterano Douglas DC-3 embica para a pista de terra vermelha improvisada por Sayão. Pancada de pneus batendo no chão áspero, muita poeira, solavancos, e pronto. Saem JK, o marechal Teixeira Lott, ministro da Guerra, diversos outros ministros e assessores. O voo fora turbulento. Muitos estão assustados. Num pau fincado ao lado da pista, vê-se a tosca tabuleta em que o otimismo quase infinito de Sayão anotou: "Aeroporto Vera Cruz". São 11h40.

O urbaníssimo presidente mostra entusiasmo. Sob sol de estourar mamona, zanza pra lá e pra cá no meio do mato ralo e das árvores retorcidas, vestido como se fosse a restaurante sofisticado de Paris. Bem cortado terno claro, lencinho no bolso superior do paletó, camisa imaculadamente branca, bela gravata italiana, chapéu de feltro, resplandecentes sapatos pretos. Olha tudo, faz uma pergunta atrás da outra. Sonha o futuro no meio do dia e do nada. Fala de uma cidade monumental, moderna e deslumbrante.
Caminha, anda de jipe com Niemeyer até o ponto mais alto. Depois sobrevoa a área da futura Brasília no teco-teco de Sayão. Parecendo vê-los, indica e descreve palácios, praças, avenidas monumentais, estradas de acesso, um lago gigantesco, aeroporto internacional e muito mais. O avião pousa na precária pista de terra. Perplexo com o que já viu e sobretudo com o que não vira, o cartesiano marechal Teixeira Lott, fardado, olhos apertados pela luminosidade, chovendo suor, aproxima-se:
– Mas o senhor vai mesmo construir Brasília aqui, presidente?
– Vou, meu caro ministro. E aqui vou terminar o nosso governo e passar a faixa ao sucessor.
Conformado, Lott vai a Niemeyer:
– Os prédios do Exército serão modernos ou clássicos?
– Numa guerra, o senhor prefere armas modernas ou clássicas?


Mario Fontenelle/Arquivo Público do Distrito Federal
PALÁCIO DA ALVORADA LAGO PARANOÁ
Brasília - 10 | 6 | 1960

De volta ao Rio, JK faz publicar edital de concurso para o Plano Piloto de Brasília. Era indispensável e urgente fixá-la em termos arquitetônicos e urbanísticos, projetar e desencadear as obras. "Não iniciaria a construção da capital para deixá-la, ao fim do meu governo, inacabada. Os meus sucessores a abandonariam, e a ideia morreria de novo."
Rio de Janeiro, Hotel Ambassador, Rua Senador Dantas, 12 de outubro de 1956, encontro dos chamados "boêmios patriotas" do Juca’s Bar, amigos de JK. Presentes Oscar Niemeyer e uma penca de parceiros, entre eles o seresteiro César Prates e o violonista Dilermando Reis. Surge a ideia de construir uma residência provisória para o presidente em Brasília. Niemeyer esboça o projeto na hora. Um palácio tosco, de tábuas, depois apelidado de "Catetinho", sustentado por grossos troncos de madeira de lei. Não havia tijolos nem pedras no endereço: clareira no meio do mato, Fazenda do Gama, Brasília. Prazo de construção: dez dias.
Em 10 de novembro de 1956, JK e pequena comitiva chegam no DC-3 para a festa de inauguração. Música, boa comida, boa bebida. Há uísque de qualidade, mas falta gelo. De repente, cai um pé-d’água assustador, bombardeando granizo. Assim que o temporal passa, todos correm para fora, catam o que podem, dão graças a Deus, brindam a São Pedro.
No meio da festa, Juscelino pede a Sayão que se instale na área. "Quando, presidente?" "Ontem." Sayão decola para Anápolis. No dia seguinte, começo da manhã, volta dirigindo um caminhão barulhento, com a mulher, Hilda, e metade dos filhos, Lia e Lílian. Feliz da vida, estaciona debaixo de uma árvore próxima e arma sua barraca de lona. Pronto: um diretor da Novacap já está morando em Brasília com a família. Juscelino: "Com Sayão à testa dos trabalhos, a atividade redobrou. Quem olhasse o local onde estava sendo iniciada a construção de Brasília sempre o veria: chapelão na cabeça; rosto queimado de sol, suando em bica. Estava em toda parte e sempre em atividade. Reservava para si as tarefas mais árduas e perigosas e as executava com seu inextinguível bom humor. À beleza viril do físico privilegiado, aliava-se invejável formação moral. Era bom por natureza e bravo por instinto".


Foto: René Burri/Magnum
PRAÇA DOS TRÊS PODERES
Cidade Livre - 1960

Sayão morreu em 15 de janeiro de 1959, com apenas 57 anos, atingido por um gigantesco galho de uma árvore de 40 metros, quando cortava a mata
fechada para dar passagem à Rodovia Belém-Brasília. Personagem perfilado na revista Life por John Dos Passos, era um mito cujo enterro parou o cerrado, num féretro de jipes, caminhões e tratores. Foi o primeiro mártir da construção de Brasília.
A Novacap, durante e depois de Sayão, tinha tarefas de dois tipos: as urgentes e as urgentíssimas. Além do concurso para o Plano Piloto, precisava iniciar o aeroporto definitivo, preparar a estratégica rodovia para Anápolis, abrir estradas entre os canteiros de obras, construir prédios provisórios para a administração e instalar-se; fazer alojamentos para funcionários e operários, providenciar às pressas os projetos da residência presidencial, de um grande hotel, do próprio aeroporto, da Usina do Paranoá; estruturar o serviço de água e esgoto, implantar imediatamente serrarias e olarias e muitíssimo mais. Contam que um engenheiro ranheta certo dia desabafou: "Se tudo aqui é prioritário, não há prioridade".
Três turnos. A burocracia é mínima. A empresa troca as complicadas licitações públicas por breves concorrências administrativas ou mesmo por administração contratada. Mandava e desmandava. Consegue impor ritmo acelerado às obras. Regime contínuo de três turnos de oito horas, rigorosa cobrança do cronograma de execução de cada obra, ataque simultâneo em várias frentes. O canteiro cresce espetacularmente a partir de fevereiro de 1957. No começo de 1958, olhos treinados já podiam perceber a estrutura da metrópole.
JK conta que só quem olhava de cima tinha ideia da magnitude, diversidade e complexidade dos trabalhos. Engenheiros e mestres de obra de mapa na mão, equipes de dezenas, centenas, milhares de homens apressados trabalhando dia e noite nos canteiros e na abertura das vias públicas. Ao longo delas, incontáveis armações de pinho para os vergalhões de ferro das vigas de cimento armado. Dúzias de caminhões rodando de um lado para outro, entupidos de material de construção. Dezenas de tratores novos de vários tipos e poderosas escavadeiras revolvendo a terra, furando buracos, criando clareiras, preparando terrenos para obras públicas. Crateras recém-abertas engolindo toneladas de concreto.
Foto: Gabriel Gondim
CATEDRAL
Cidade Livre - 1957

Redes de água, esgoto, eletricidade, edificações. Estacas sendo fincadas para suportar andaimes nos prédios que nasciam. Torres metálicas de estações de telecomunicações pontificando em vários lugares, enviando mensagens com pedidos de material indispensável à população, às construções e à manutenção dos equipamentos. Guindastes subindo e descendo com cargas trazidas ou levadas pelos caminhões, carregando material, assentando vigas. Polias girando sem parar, buzinas tocando, sirenas soando, motores acelerando. Edifícios que começam a tomar forma. Sons de motores e máquinas, barulho de metal batendo em metal, de martelos, de serras e serrotes, de preparo de cimento, carga e descarga de material, vaivém incessante.
Formigueiro de máquinas, materiais e gente. Até a inauguração, em 21 de abril de 1960, foi projetada e concluída boa parte das principais construções: o conjunto do Congresso Nacional; o Palácio do Planalto; o Supremo Tribunal Federal; onze edifícios ministeriais; o Palácio da Alvorada (inaugurado em junho de 1958); serviço de eletricidade, de água e de esgoto; mais de 3 000 moradias; hospital público com 500 leitos; instalações da Imprensa Nacional; hotel de turismo com 180 apartamentos; aeroporto provisório; escolas; clube náutico; concha acústica; estrutura básica da Catedral Metropolitana; a pequenina Ermida Dom Bosco; a Igreja de Nossa Senhora de Fátima; a estrutura básica do Teatro Nacional; a estação rodoviária; o grande eixo rodoviário e a barragem do Rio Paranoá. Faltava muita coisa ainda, deu-se a inauguração com o que existia, mas já havia uma cidade a respirar.
Visitantes ilustres. Na inauguração, a Novacap contabilizou 360 000 metros quadrados de construção concluída, mais de 106 000 em final de execução e 37 000 em andamento. Portanto, mais de 500 000 metros quadrados de área construída ou semiconstruída em apenas três anos e meio, não incluídas as edificações a cargo dos institutos de Previdência, da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, da Fundação da Casa Popular e de outras entidades. As atividades privadas começavam a florescer.
JK visitava as obras duas vezes por semana do início de 1957 ao fim de 1958, quando concluiu que Brasília já estava garantida. Decolava do Rio depois do expediente, pousava no cerrado por volta de 11 da noite, inspecionava obras até de madrugada e voltava ao Rio. No começo, no surrado mas seguro Douglas DC-3, dormindo numa cama estreita. Depois, num quadrimotor turboélice Viscount, mais veloz e espaçoso. Trazia visitantes ilustres do mundo inteiro, mostrava a cidade, orgulhava-se.
Em 1º de novembro de 1956, havia 232 operários em toda a área. Em fevereiro de 1957, cerca de 3 000 candangos e mais de 200 máquinas em atividade incessante. Em julho de 1957, o ano da criação da Cidade Livre, depois Núcleo Bandeirante, já havia 12 700 residentes. Taguatinga, a maior cidade-satélite, é de 1958. Início de 1959: mais de 30 000 candangos no canteiro de obras, população total superior a 60 000 habitantes.
Candango típico. O cearense José Alves de Oliveira, Seu Zé, acha que nasceu em 1938, mas não tem certeza. É um candango típico, adora Brasília. Tem quatro filhos e quatro netos. Não esquece um só dia a filha que perdeu para o câncer há alguns anos. Comeu nuvens de poeira na construção do Congresso Nacional e dos ministérios. A seu modo, no português possível, descreve os primeiros tempos:
"Vim mais meu pai no pau de arara, numa carroceria braba de caminhão. Levou foi muitos dia. Aí fiquei no acampamento duma firma que eu trabalhei nela, a Construtora Nacional. Construindo aquele colosso onde tem aquelas duas bacia grande em cima da laje, uma virada pra riba e outra virada pra baixo (Câmara dos Deputados e Senado Federal). Trabaiei muito lá. Trabaiei adoidado! Vi quando tava só nos buraco e nas ferrage, na armação. Aqueles prédio e também os dos ministero. Trabaiava de servente. Pegava às 7 da manhã e largava às 6 horas da tarde. Quando apertava muito o serviço, a gente ia até as 10 da noite a semana todinha. Tinha um intervalinho no meio do dia. Aí a gente ia pro acampamento da Nacional, que era ali perto, naquele cerradão bravo. Era gente dimais!
"Eles armaro certinho aquelas bacia de lá, as duas já redonda. Eu vi aquilo no ferro puro-puro! Sem concreto, sem nada. Aí ia fazendo as ferrage e as fôrma de madeira pra botar o concreto. Por dentro, aquilo é tudo ocado. Tem uma escada arrodiando por dentro, a gente começava de baixo e saía lá em cima do derradeiro negoço. Assim uma roda, abeirando as parede. Tanto a bacia de boca pra riba como a outra de boca pra baixo é um sistema só, arrodiando. Agora, depois de tudo prontinho, eu num vi mais como é que ficou. Depois de pronto eu não voltei lá, não. A gente não pode entrar lá dentro. Deixam, não. Só quando tava na obra mesmo. Até que não tenho muito vontade de ir lá, não. Dumingo era o dia da gente fazê as compra. Tudo lá no Núcleo Bandeirante, que era onde tinha as coisa. Naquele tempo, a gente num via muié aqui. Era só a piãozada. E, se tinha alguma, era muito difice. Num podia nem chegá perto. A barra era pesada".
"Encheu, viu?!" A maioria das empreiteiras era paulista, predominavam os trabalhadores nordestinos. Dizia-se que mineiro mandava, paulista ganhava dinheiro, nordestino trabalhava e Goiás sempre saía lucrando. Além da cidade, o governo Kubitschek construiu mais de 20 000 quilômetros de rodovias, grande parte para interligar Brasília às várias regiões do país. Mais de 5 600 quilômetros de estradas já existentes foram asfaltados.
Até a formação do Lago Paranoá virou polêmica. Quase concluída a barragem, o engenheiro e cronista Gustavo Corção dizia que não haveria acumulação de água, devido à porosidade do solo do cerrado. Isso incomodava JK, deixava-o tenso, mesmo diante das boas informações técnicas. Quando tudo ficou pronto e a água se acumulou, enviou um telegrama a Corção: "Encheu, viu?!".
Muita obra, portanto muita corrupção, como manda o adágio? Certamente houve, talvez não ainda em escala industrial. Nisso, os tempos eram menos bicudos. Pioneiros lembram episódios de pequena corrupção. Como caminhões que chegavam lotados de areia numa construção, eram pesados, saíam novamente, davam uma volta, eram pesados de novo, e assim por diante.
O arquiteto e pesquisador paulistano Rodrigo Amaral descobriu que na Novacap de Israel Pinheiro quem comprava não pagava nem recebia o material. Quem pagava não comprava nem recebia. E quem recebia não comprava e não pagava. Por que o cuidado? Porque corriam rios de dinheiro público no cerrado brasiliense. Gastos colossais, impressionante quantidade e diversidade de obras, controle interno precário, controle externo distante. No começo, nem bancos havia. Tudo era pago com dinheiro vivo, armazenado numa robusta construção da Novacap na Candangolândia, com grossas paredes de concreto, comandada por Israel. Diziam os adversários que até material de construção era trazido de avião, a custo exorbitante. Denunciavam roubalheira e escândalos, armavam investigações.
Onde está o homem, está o perigo. Onde estão os empreiteiros também? O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, gostava de contar uma anedota em que Deus e o diabo resolvem fazer as pazes. Para comemorar, combinam construir sólida ponte entre o céu e o inferno. Acertam o projeto, marcam a inauguração para um ano depois. Dois meses, o trecho do capeta já desponta e o de Deus, não. Seis meses, o diabo tem 50% prontos e Deus, nada. Quase um ano, satanás pede audiência e reclama: "Minha parte já está quase concluída e nem sinal do resto. Assim não dá!" Deus: "Preciso de sua ajuda. Não há empreiteiros aqui no céu. Estão todos no inferno".


Tecnologia
Nem tudo que é sólido se desmancha no ar
O aço – e não o concreto – salvou do atraso os principais prédios
"Não há arquitetura sem tecnologia" é uma das mais conhecidas definições de Oscar Niemeyer, o mais dedicado defensor do uso do concreto armado, um dos primeiros a utilizá-lo em formas curvas. Niemeyer, no olhar leigo, é sinônimo de concreto. Na construção de Brasília, contudo, ante a pressão do tempo imposta por JK, houve extraordinários avanços no emprego do aço. Típico das edificações americanas, base dos edifícios de Chicago, raríssimas vezes ele tinha sido usado no Brasil. O aço, e não o concreto, nasceu com Brasília.
As construções com moldes de madeira recheados de cimento pediam tempo, significavam lentidão. Com estruturas metálicas, apenas depois revestidas de concreto, tudo era mais rápido. O Brasília Palace Hotel, de 1958, utilizou 905 toneladas de aço, fabricadas em Volta Redonda e transportadas de trem até Anápolis (GO) e por rodovia até Brasília. Para as obras dos ministérios e dos anexos do Congresso, inaugurados em 1959 e 1960, foram importadas 15 000 toneladas de uma empresa americana.
Como não houvesse técnicos no Brasil, a montagem ficou a cargo da americana Reymond Pill, estabelecida como Construtora Planalto. A dificuldade: mão de obra que soubesse trabalhar com o novo material. "Antigamente, quando se terminava uma estrutura, viam-se apenas lajes e apoios", dizia Niemeyer, anos após a construção de Brasília. "A arquitetura vinha depois, secundária, e eu queria o contrário, essa junção das estruturas com a arquitetura." As imagens dos esqueletos de aço de Brasília em construção são algumas das mais bonitas daquele tempo.
Foto: Marcel Gautherot/Instituto Moreira Salles
CONGRESSO NACIONAL
Os dois edifícios anexos à Câmara e ao Senado, com 28 andares cada um,
usaram aço importado dos Estados Unidos

Brasília - c. 1958


Incentivo fiscal
A zona franca da cidade livre
O aglomerado provisório, isento de impostos, cresceu tanto
que foi impossível tirá-lo do lugar
"A mãe de Brasília" é o apelido do Núcleo Bandeirante, que, na sua gênese, em dezembro de 1956, foi a Cidade Livre. Com residências e lojas erguidas de madeira, telhas metálicas e amianto, de modo a evidenciar sua suposta vocação efêmera, brotou como centro urbano para receber os trabalhadores que construiriam Brasília. Era livre porque, tal qual as zonas francas, não cobrava impostos. Os lotes destinados ao comércio, indústria e serviços foram arrendados pelo prazo máximo de quatro anos. Calculava-se que, ao fim das obras, os moradores voltassem à terra natal ou se transferissem para o Plano Piloto e vizinhança. A ideia original de funcionar como mero almoxarifado do que ocorria ali ao lado, nos andaimes da construção brasiliense, não funcionou.
Ficou tristemente conhecida, entre os moradores, uma frase de Israel Pinheiro, presidente da Novacap: "Em abril de 1960, mando os tratores para esmagar tudo". Eles nunca chegaram, porque, antes de a Brasília do Plano Piloto existir, a Cidade Livre virara uma aglomeração urbana incontornável, ímã de riquezas. A JBS-Friboi, a maior empresa do mundo no setor de carnes, começou a crescer ali, pelas mãos de José Batista Sobrinho, o Zé Mineiro, o pai dos atuais dirigentes da companhia. Em 1957, com apenas cinco funcionários, ela virou fornecedora de carne para as construtoras da capital, cujos operários viviam na Cidade Livre.
Eram mais de 20 000 pessoas. Quando o governo começou a se movimentar de modo a tirá-las do lugar, houve protestos, brigas e manifestações. A ideia era levar a população para as vizinhas Taguatinga ou Gama, ou mesmo para o Plano Piloto. Em 1961, no governo de Jânio Quadros, a pressão popular chegou ao ápice, no Congresso, na forma de lei. Nascia o Núcleo Bandeirante, hoje com mais de 40 000 moradores – uma cidade de vida mais real, a rigor, do que aquela cultivada nas superquadras do Plano Piloto.
Foto: Arquivo Público do Distrito Federal
ESPERANÇA AO CHEGAR
Candangos desembarcam na Cidade Livre. Em menos de três anos, eles já eram 20 000. Revoltados, não aceitaram deixar o lugar que virou urbe antes da capital
Cidade Livre - c. 1957-1960


Tragédia
A ordem: É proibido parar
O suposto assassinato de operários num canteiro
de obras ainda hoje é um fantasma brasiliense
Um mito ronda a construção de Brasília: a suposta matança, em 8 de fevereiro de 1959, um domingo de Carnaval, de um grupo de operários da construtora Pacheco Fernandes. Os crimes teriam sido cometidos pela Guarda Especial de Brasília (GEB), vinculada à Novacap. Desde sempre, o episódio faz parte da história secreta da construção. Em diversas versões, os mortos vão de um a onze, com mais de sessenta feridos e paralisações em solidariedade aos assassinados. Os motivos: uma briga corriqueira, na cozinha, entre dois trabalhadores ou a explosão de protestos pela má qualidade da alimentação do acampamento, ao lado do Palácio da Alvorada. Os policiais – um efetivo de 300 pessoas, recrutadas entre os próprios candangos – tinham justificada fama de agressividade, eram eles que impunham o toque de recolher. Cortavam a água para impedir banhos, e sem banho ninguém ousaria procurar prostitutas na Cidade Livre. Os soldados usavam uniformes de cor cáqui, feitos com sobras das roupas da Força Aérea Brasileira. Eram chamados a manter a ordem porque Brasília não podia parar.
Depoimentos contraditórios impediram um desfecho para o caso, agora transformado em lenda. Um cozinheiro diz ter visto operários sendo mortos na cama, ainda adormecidos. Houve relatos de corpos jogados no Lago Paranoá, ainda seco. As investigações nada comprovaram, e prevaleceu a suspeita de que a escaramuça, real, tenha sido ampliada por líderes sindicalistas – ou tirada do mapa pelas autoridades, a mando de Israel Pinheiro. Não houve condenações. Não se conhecem o nome dos mortos ou sepulturas. O massacre virou lenda – menor apenas que uma outra, segundo a qual dezenas de operários morreram ao erguer os "28" (referência aos 28 andares de cada um dos dois edifícios anexos do Congresso, aqueles que formam um "H" entre as cúpulas), e ainda hoje seus fantasmas rondam o lugar, tal qual os arranca-línguas que, no folclore de Goiás, atacam os bois no pasto.
Foto: Mário Fontenelle/Arquivo Público do Distrito Federal
REFEITÓRIO
Operários comem no canteiro do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários.
A alimentação era um dos principais problemas da companhia que administrava as obra
s


Nostalgia
Encanto não se transfere
Como foram os melancólicos (mas nem tanto)
últimos dias do Rio de Janeiro como sede do governo


Sérgio Rodrigues

Foto: Aliam Milan/Agência Tyba
Noite ilustrada
À porta do Teatro Municipal, em noite de gala, o chofer do Simca Chambord à espera
dos passageiros
Rio de Janeiro - 3 | 3 | 1959
No dia 21 de abril de 1960, o último do Rio de Janeiro como capital da República, dois de seus principais cronistas – nenhum deles carioca de nascimento, o que era típico de uma metrópole que se pretendia a "síntese do Brasil" – viveram experiências opostas. O capixaba Rubem Braga se desgarrou dos amigos que iam conferir o desfile das escolas de samba na Avenida Rio Branco, um evento sintomaticamente bagunçado, promovido sem dinheiro e com escassez de policiamento pelo Departamento de Turismo da prefeitura para comemorar o nascente estado da Guanabara. Depois de ver no Leme os fogos de artifício que saudaram a meia-noite, Braga entrou solitário numa boate e, ao sair, constatou melancolicamente que a lua minguante era agora uma "lua estadual".
Naquele momento, o pernambucano Nelson Rodrigues estava longe de tudo isso – do Rio e da melancolia –, em plena festa de inauguração de Brasília, esta sim uma comemoração rica, financiada por um "crédito especial de
Cr$ 150 milhões", como noticiou na primeira página o jornal antibrasiliense Tribuna da Imprensa. Contrariando sua lendária aversão a viagens, Nelson tinha aceitado carona num dos ônibus que o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR) – onde um de seus filhos prestava serviço militar – alugara para levar oitenta estudantes secundaristas aos festejos. A caravana saiu do Rio no dia 20 para uma desconfortável viagem de vinte horas. Em troca da hospedagem no Planalto Central, o maior dramaturgo brasileiro negociou enviar para o jornal Última Hora, de Samuel Wainer, uma crônica a ser publicada no dia 22, o primeiro da Federação redesenhada.
O cisma aberto em sua elite cultural deixa claro que o Rio de Janeiro chegou aos últimos momentos de seus 71 anos como capital da República – e dos 197 desde que se tornara sede da colônia, em 1763 – imerso em confusão. Uma confusão construída paralelamente ao trabalho dos candangos, crônica por crônica, samba por samba, conversa por conversa, pelo menos desde o início de 1957, quando começou a ficar evidente até para os céticos que Juscelino Kubitschek não estava brincando ao dizer que levaria a capital embora. Aquilo seria bom para o Brasil, mas ruim para a cidade? Um desastre para ambos? Excelente para todos, com exceção dos barnabés? O Rio, agora autônomo, ganharia mais atenção de seus governantes? Brasília dividiu os brasileiros em duas facções, a dos "mudancistas" e a dos "antimudancistas". Era natural que a capital preterida fosse palco das principais batalhas.
Quem não chora não mama
Havia muita reclamação, mas a população do Rio aceitara Brasília – Ibope*
80% acreditavam que JK tinha acelerado o desenvolvimento brasileiro
73% aprovavam a mudança da capital
62% acreditavam que a nova capital traria benefícios ao país
24% desaprovavam a iniciativa
* Pesquisa realizada em março de 1960
Não se tratava de mera rixa de literatos. A novidade de concreto armado que brotara em tempo recorde no meio de Goiás era um ímã de aventureiros em busca de enriquecimento rápido, mas deixava apavorados os funcionários públicos federais habituados à vizinhança da praia e ao consumo elegante na Galeria Menescal – destes, apenas 1,1% tinha sido transferido para Brasília a tempo da inauguração. Políticos amotinados ameaçavam criar um Senado paralelo no Rio, alegando falta de condições de trabalho na Novacap. Na área da cultura popular, o racha ganhou corpo nos sambas antípodas de Billy Blanco e Ataulfo Alves. O primeiro, que em 1957 chegou a ter sua execução proibida extraoficialmente na Rádio Nacional, apregoava que, por não ser "índio nem nada", não iria para Brasília, "nem eu nem minha família". O segundo rebuscava a rima com o nome da nova capital para tomar o rumo oposto: "Levo comigo Conceição e Dorotília / violão e tamborim. / Vou fazer samba em Brasília".
A imprensa guardou os melhores registros da briga. O título da crônica que pagou a hospedagem de Nelson Rodrigues em Brasília – e que mereceu chamada de primeira página na Última Hora – era "A derrota dos cretinos". Não foi Rubem Braga o alvo escolhido pelo autor entre os antimudancistas que, sobretudo no Rio e em São Paulo, pululavam na imprensa e nos meios políticos – estes puxados pela retórica inflamada do udenista Carlos Lacerda, dono da Tribuna da Imprensa e líder das manobras que haviam tentado impedir JK de tomar posse. "A derrota dos cretinos" fazia mira no poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, outro carioca de adoção, que em uma crônica no Correio da Manhã tinha criticado a poeira vermelha do Planalto Central. Em transe épico – o mesmo que o levara a declarar que, "a partir de Juscelino, surge um novo brasileiro" –, Nelson imaginou o dia em que veria Drummond num canteiro de obras da nova capital, "dando rijas e sadias marteladas".
Havia mudancistas mais sóbrios. O escritor paraibano José Lins do Rego defendia a tese corriqueira de que o governo federal precisava se isolar dos "problemas locais" de uma grande cidade. Os antimudancistas também tinham colorações variadas. Enquanto o maranhense Josué Montello lamentava a partida das autoridades federais, "grandes figuras que se ajustavam à importância" do relevo carioca, Rubem Braga mal disfarçava o despeito ao prever que "pelo menos no caráter" faria bem ao Rio a migração da "fauna mais graúda dos animais de rapina" para o Planalto Central. O ciúme era tão disseminado que chegava a ser explícito no texto publicado por David Nasser na revista O Cruzeiro de 7 de maio de 1960: "Obrigado, Juscelino, por haveres trocado esta cidade por uma paixão recente. O Rio te agradece por Brasília, a noiva que preferiste a um velho amor".
Café society. Tratava-se, porém, de um ciúme temperado por autossuficiência. Ao mesmo tempo em que listava as mazelas urbanas que poderiam ter sido resolvidas pelos dutos de dinheiro canalizados para Brasília – falta de água crônica, enchentes, trânsito engarrafado, favelização –, a imprensa da cidade fazia variações sobre o tema "Encanto não se transfere", ilustrado por uma foto da Praia de Copacabana no Jornal do Brasil de 21 de abril de 1960. O "encanto" não englobava pouca coisa. O Rio acabava de adicionar mais um tijolinho ao edifício de sua fama internacional com o sucesso do filme Orfeu Negro, de Marcel Camus, Palma de Ouro em Cannes. Exportava para o resto do Brasil, via colunismo social e revistas de grande vendagem como O Cruzeiro e Manchete, um espetáculo de boa vida e elegância conhecido como café society e simbolizado pela sofisticação da boate Sacha’s, frequentada até por JK. E embalava tudo isso na batida da bossa nova, produto de sua classe média praiana, que naquele ano de 1960 venderia nos Estados Unidos mais de 1 milhão de cópias de Samba de Uma Nota Só e Desafinado. Como poderia o Peixe Vivo competir com aquilo? "Espírito e coração do Brasil", pontificou o Correio da Manhã em editorial, "continuamos sendo nós."
AE
Despedida
Juscelino, ao lado de dona Sarah, alguns ministros
e funcionários, desce pela última vez a escadaria
do Palácio do Catete
Rio de Janeiro - 20 | 4 | 1960
JK, político hábil, tratou de afagar esse orgulho na despedida. No programa de rádio Voz do Brasil de 19 de abril de 1960, mandou um recado à cidade, dizendo que seus "centros de cultura prosseguirão jorrando a luz que dirige a marcha do Brasil para o seu grande destino". No dia seguinte, ao descer a escadaria do Palácio do Catete pela última vez, derramou algumas lágrimas. E no fim tudo acabou em festa popular, com "centenas de milhares de pessoas" (a conta é do jornal O Estado de S. Paulo) tomando "a Avenida Rio Branco, Largo da Lapa e vias adjacentes". À meia-noite do dia 20, o samba deu lugar a um buzinaço e à marchinha Cidade Maravilhosa, recém-transformada em hino da Guanabara. Na guerra ruidosa entre mudancistas e antimudancistas, entre a ciumeira e a euforia, não sobrara espaço para uma reforma institucional que equacionasse o futuro político e econômico de uma cidade desabituada de ser província. Quarenta anos depois, com amargura, o economista Carlos Lessa anotaria no livro O Rio de Todos os Brasis: "O Rio cedeu os direitos de primogenitura em troca de um prato de lentilhas". Deu-se parte da recuperação da autoestima carioca em 2 de outubro deste ano, quando a cidade foi anunciada como sede da Olimpíada de 2016. "O Rio é uma cidade que perdeu muitas coisas ao longo da história", disse o presidente Lula. "Foi capital, foi coroa portuguesa, e aparece nos jornais em notícias ruins. É hora de retribuição a um povo maravilhoso."
Foto: Arquivo Nacional
Foto: Peter Scheier/Instituto Moreira Salles
A saída...
Caminhão de mudança leva móveis e papelada
do Palácio Monroe, sede do Senado no Rio
Rio de Janeiro - 5 | 4 | 1960
...A chegada
Desolação do funcionário público no cenário
seco do novo Distrito Federal
Brasília - 1960


Foto: Peter Scheier/Instituto Moreira Salles
Solidão
Apenas 1,1% dos funcionários
públicos federais trocou o litoral
pelo cerrado nos primeiros dias
da mudança

Brasília - 1960


A rixa dos cronistas
Camilo Calazans/CPDOC JB
"Um túnel ou um viaduto
leva anos para ser construído
no Rio, qualquer obra
se arrasta miseravelmente,
por falta de verba – e vamos
fazer uma cidade nova
nos confins do Judas."

Rubem Braga, contra a mudança


"Na Praça dos Três Poderes, o brasileiro
que não viajou nada, que não passou
do Méier, é atravessado pela certeza
fanática: a Praça de São Marcos não
chega aos pés da nossa."

Nelson Rodrigues
, a favor da mudança
Divulgação



O duelo dos sambistas
Acervo Pessoal
Eu não sou índio nem nada
Não tenho orelha furada
Nem uso argola pendurada no nariz
Não uso tanga de pena
E a minha pele é morena
Do sol da praia onde nasci
E me criei feliz
Não vou, não vou pra Brasília
Nem eu nem minha família
Mesmo que seja pra ficar cheio de grana
A vida não se compara
Mesmo difícil, tão cara
Eu caio duro mas fico em Copacabana

Billy Blanco, em Não Vou pra Brasília, contra a mudança


Trabalhador eu sei que sou
Me dê um palmo de terra, doutor
Garante a minha família que eu vou
Levo comigo Conceição e Dorotília
Violão e tamborim
Vou fazer samba em Brasília
Parto, saudoso do meu
Rio de Janeiro
Mas eu vou ficar famoso
Lá serei o primeiro

Ataulfo Alves, Samba em Brasília,
a favor da mudança
Acervo UH Folha Imagem


Cotidiano

O cenário infinito baniu a multidão
O problema é que as ruas sempre terão a cara que
tinham ao nascer, sem povo. O Homo brasiliensis, se
é que um dia existirá, é personagem em gestação


Augusto Nunes
Fotos divulgação e Salomon Cytrynowicz
FUNERAL E MISSA
O féretro de Juscelino na Esplanada dos Ministérios, em agosto de 1976 (no alto), e a visita de João Paulo II, em junho de 1980: dezenas de milhares de pessoas engolidas pelo horizonte
A cidade que nasceu sem habitantes e estava pronta quando foi fundada nunca viu a multidão por ter espaços demais. Brasília viu muita gente duas vezes: em agosto de 1976, na partida de Juscelino Kubitschek, e em junho de 1980, na chegada do papa João Paulo II, quando dezenas de milhares de brasileiros se juntaram num mesmo ponto do Plano Piloto. Mas muita gente só vira multidão quando se acotovela em lugares com limites definidos, faz o chão desaparecer e ameaça derramar-se pelas bordas das fotografias. Isso Brasília não sabe o que é. Nem saberá, por falta de cenário com fundo. Cenários infinitos engolem até multidões chinesas.
Se o corpo de JK fosse velado na Cinelândia, no Rio, por exemplo, uma multidão teria protagonizado o que hoje se chamaria de O Adeus dos Trezentos Mil. Recortado contra as imensidões do cerrado, o cortejo em Brasília não pareceu mais impressionante que qualquer comício estrelado pelo presidente morto numa cidade de tamanho médio. Se os que recepcionaram o papa na Praça dos Três Poderes fossem dar-lhe boas-vindas no Rio, a multidão transbordaria da Sapucaí e não caberia no Maracanã. Mas não existe nada em Brasília parecido com o templo dos deuses da bola ou com a passarela do samba.
A capital do País do Futebol não tem campo nem time de futebol. (Os estádios onde jogam o Brasiliense e o Gama ficam fora do Plano Piloto.) E a capital do País do Carnaval não tem carnaval de rua. (As aparições anuais de alguns blocos apenas realçam a inexistência de escolas de samba.) O esporte preferido e a festa mais popular dão sinais de vida nas cidades-satélites, que não têm parentesco com Brasília. Nasceram juntas, mas não são gêmeas em nada. São extremos que, por se completarem, até agora têm convivido sem conflitos.
Foto: Carlos Menandro/Jornal de Brasília
PÃO E CIRCO
Na perspectiva da foto, de 1985, o circo substitui a cúpula do Senado. Ulysses Guimarães, presidente da Câmara, lança um alerta contra "a campanha de calúnias e difamação contra o Congresso Nacional"
Brasília – 5 | 9 | 1985
Esses aglomerados urbanos que Lucio Costa não planejou e Oscar Niemeyer não decorou com monumentos tão belos quanto inabitáveis contrastam pedagogicamente com o espanto futurista da metrópole que rodeiam. A contemplação do conjunto informa que Brasília não tem povo – como se referem os políticos à massa informe e anônima de viventes com pouquíssimas chances de algum dia perguntarem a alguém se sabe com quem está falando. Esses são vistos no Plano Piloto durante o dia. No começo da noite, terminada a jornada de trabalho, voltam para a babel periférica e dormem em casa. Vivem em ruas comuns, com nomes comuns e carências comuns. Nada a ver com a vizinha também cinquentona mas proibida de envelhecer. Brasília terá sempre a cara que tinha ao nascer. Chegou ao berço com tudo o que não há nos arredores. Só faltava gente morando lá.
Em 1970, a escritora Clarice Lispector impressionou-se com a supremacia da cidade sobre seus habitantes. "Brasília é tão artificial quanto devia ter sido o mundo quando foi criado", escreveu numa crônica. Como acontece a onze em cada dez visitantes na primeira viagem, Clarice estranhou a troca de ruas e praças por superquadras, tesourinhas, eixinhos e eixos. Ficou insone com o silêncio ensurdecedor, descobriu que a infinitude da paisagem torna a solidão mais aflitiva e, sobretudo, desconcertou-se por não encontrar alguém que reproduzisse a cara do lugar.
"Quando o mundo foi criado, foi preciso criar um homem especialmente para aquele mundo", lembrou. "Nós todos somos deformados pela adaptação à liberdade de Deus. Não sabemos como seríamos se tivéssemos sido criados em primeiro lugar; e depois o mundo deformado às nossas cidades. Brasília ainda não tem o homem de Brasília." Inaugurada dez anos antes, a cidade descrita por Clarice era a reprodução miniaturizada do mosaico brasileiro, formado por migrantes que tinham acabado de chegar.
Dez anos depois da fundação, os cearenses continuavam cearenses, os gaúchos continuavam gaúchos, todas as peças escancaravam na estampa e no sotaque o local de fabricação. A identidade não sofrera mudanças por falta de tempo e, sobretudo, de referência: como o brasiliense nasceu depois da cidade, os que chegaram não dispunham de um modelo a copiar. Quando a crônica foi publicada, a primeira geração de nativos nem atingira os 10 anos de idade. O homem de Brasília não existia. Pode ainda estar em gestação.
Talvez seja um quarentão de classe média, diplomou-se pela UnB, é funcionário público, combina ternos cinza ou azul-escuro com gravatas de desenho sóbrio, mora em apartamento, conhece meio mundo mas convive estreitamente com poucos. Ao contrário dos deputados, dos senadores, dos ministros e do presidente da República, não viaja para longe da capital nos fins de semana. Frequenta com assiduidade o clube de que é sócio, circula todo o tempo de carro e caminha bastante, mas nunca anda à toa. Sair por aí exige as ruas e as esquinas que não há. Porque não existem cruzamentos, os brasilienses se cruzam nos restaurantes e nos bares. Que nunca ficam na esquina. Que nunca fez falta ao Homo brasiliensis, juram todos os nativos do lugar.
Foto: arquivo Bloch Editores
FORÇAS OCULTAS
"Renunciei para ficar longe daquele lugar maldito", disse Jânio Quadros para definir seu desagrado pouco antes de ir embora
Brasília – 25 | 8 | 1961
Tampouco lhes fazem falta ruas e praças semelhantes às do resto do país. Basta a Praça dos Três Poderes e sua extraordinária polivalência, que lhe permite hospedar manifestantes que cobram por hora ou circos cuja única atração é a chance de zombar do Congresso. Não há casas com quintal antigo e numeração convencional nem outro sinal de parentesco arquitetônico com as demais cidades brasileiras. Os nascidos e criados em Brasília não veem nada de errado nas singularidades e inovações com as quais convivem desde o berço. Da mesma forma que um inglês recém-chegado ao continente considera pura esquisitice trafegar pela mão direita, aos olhos dos brasilienses o que parece espantoso é a existência de ruas batizadas como se fossem pessoas, que mudam de identidade sem mudar de rumo. Não compreendem por que tantos brasileiros passam parte da vida imobilizados em congestionamentos de trânsito, embora isso também já ocorra na capital federal.
Forasteiros se perdem regularmente na selva de prédios indistintos, consoantes misteriosas e palavras que, em brasiliês, têm outro sentido. "Vou até a pequena zona de comércio de uma superquadra para comprar cigarro e na volta me perco numa floresta de edifícios absolutamente iguais uns aos outros", escreveu o cronista Fernando Sabino, mineiro e ipanemense honorário. "Não hei de conseguir achar nunca mais o apartamento de meu amigo onde estou hospedado. SQS – 307 – Bloco F – Apto. 502, leio na minha caderneta."
"Vó! Olha lá o Jornal Nacional!" No livro ainda inédito Brasília e Eu – Uma Reportagem, Maria Elisa Costa, filha de Lucio Costa, comprova a reciprocidade da estranheza com exemplos ligeiros e divertidos. Num deles, a neta de 3 anos que levou para conhecer Brasília descobriu que já tinha visto em algum lugar a paisagem formada pela Esplanada dos Ministérios, com o prédio do Congresso ao fundo: "Vó! Olha lá o Jornal Nacional!", exclamou a carioquinha. Que não reconheceu no restante da incursão nada parecido com o que já viu. Em outro episódio, uma sobrinha de 8 anos hospedada no apartamento de cobertura em frente à Praia de Ipanema olhou do terraço para a Avenida Delfim Moreira e quis saber da tia: "Como é o nome desse eixo?".
Outra menina ficou intrigada ao descobrir que as ruas do Rio têm nome e sobrenome. "Como é que a gente pode saber onde é que fica?", perguntou a Maria Elisa. "Em Brasília a gente sabe." A filha de Lucio Costa conta que as marcas de nascença que assustaram Fernando Sabino foram concebidas "para impedir que a nova capital, mesmo em seus primórdios, tivesse qualquer conotação de cidade do interior". A imaginação do pai urbanista acabou tornando a criatura muito diferente também de qualquer capital. "As superquadras, com seus blocos de seis andares, os pilotis abertos, a entrada única para os carros, cercadas por uma faixa arborizada em todo o perímetro, introduziram um novo modo de convívio urbano", diz Maria Elisa na abertura do capítulo "206-Sul". Fernando Sabino chamaria um tradutor ao ler esse título. Qualquer brasiliense adivinha o que lerá.
Testemunha privilegiada da gestação apaixonante, a carioca Maria Elisa pertence a uma espécie rara: o anfíbio que se sente à vontade e feliz em ambas as cidades. A tribo parece à beira da extinção se confrontada com a composta de nativos que defendem Brasília apaixonadamente ou com a formada por forasteiros que perdem o humor e o eixo quando topam com o Eixo Monumental. Num Planalto Central ainda deserto e desprovido de âncoras naturais como o Corcovado ou o Pão de Açúcar, conta Maria Elisa, a arquitetura teve de inventar referências. Há a Praça dos Três Poderes, a Esplanada dos Ministérios, são dezenas os cartões-postais sinalizadores. Mas há sobretudo o Eixo Monumental, que está para Brasília como o Viaduto do Chá está para São Paulo.
Seria temerário evocar o paralelo perto de inimigos juramentados da capital – o presidente Jânio Quadros, por exemplo. "Renunciei para ficar longe daquele lugar maldito", exagerou na resposta ao neto Jânio John, também interessado em descobrir as razões reais da deserção. O instável presidente repetia que "Brasília não tem gente". Sempre teve. Foi por causa de gente inimiga, aliás, que Jânio decidiu sair para voltar com poderes superlativos. O que não tem é multidão – e sem multidão à vista não havia Jânio. "Se eu ficar cinco minutos batendo lata no Viaduto do Chá, junto mais de 5 000 pessoas", gabava-se o grande palanqueiro. Nunca se arriscou a estrelar um comício em Brasília.
Jânio passou sete meses queixando-se da ausência de plateias que os políticos federais preferem ver pelas costas. A capital dos escândalos nunca viu um vigoroso protesto dos escandalizados. De terça a sexta-feira, tanto os delinquentes da semana como os veteranos pecadores circulam sem perigo pelos mesmos restaurantes. Os parlamentares sabem mais do que dizem, os jornalistas sabem mais do que publicam, os brasilienses sabem mais do que comentam. Nelson Rodrigues achava que, se todos conhecessem a vida sexual de todos, ninguém cumprimentaria ninguém. Os que frequentam a Praça dos Três Poderes conhecem o que se passa nas alcovas alheias e o que se passa além delas. Todos se cumprimentam.
Os nativos rechaçam com veemência o codinome Ilha da Fantasia. O complemento talvez seja incorreto: os pais da pátria que andam fazendo coisas que parecem ficção sabem o que fazem, e sabem também que os homens de bem sabem disso. Mas a soma de coisas que só existem em Brasília confirma que o Plano Piloto é uma ilha, sim. Cercada de outro Brasil por todos os lados.
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CURIOSIDADE

sobre

Tiradentes.

 O tema abaixo parece esquisito, mas leia-o!

A associação entre Tiradentes e Jesus Cristo, um Cristo Cívico, teve início quando?

O feriado desta quarta-feira (21) é em homenagem a Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, morto por enforcamento. Em 1789, perplexos com os impostos absurdos da coroa portuguesa, 12 rebeldes conspiraram por liberdade. Apenas um deles pagou com a vida.
Nas últimas décadas foram feitas várias revisões históricas da figura de Tiradentes. Um véu de dúvidas caiu sobre o herói nacional. Algumas fontes afirmam que Tiradentes foi um mero coadjuvante na Inconfidência Mineira feito bode expiatório do movimento. Outras fontes revelam que ele era um homem comum da época, que tinha posses, inclusive escravos.
O que ficou para a história não foi a vida do homem. Foi sua morte. Durante o julgamento, o ritual da execução, era como se ele soubesse que ia se transformar em mito. Símbolo da Pátria. Tiradentes se portou como um herói o tempo todo.

Culpa
Talvez a grandeza do herói esteja em saber interpretar seu personagem na hora certa. Tiradentes fez isso no seu julgamento, por exemplo. Enquanto todos seus colegas da Inconfidência se acusavam mutuamente, foi dele o único gesto heróico: assumiu a culpa por todos eles. Está em um livro escolar de 1966: Ao saber que além dele outros conjurados foram condenados à morte, ele declarou: ‘”e dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria para salvá-los”.
A inesquecível frase de Tiradentes foi dita a seu padre confessor. Mas o melhor momento de nosso herói ainda estava por vir. Foi no dia 21 de abril de 1792. E o palco para a apoteose final de Tiradentes foram às ruas no Centro do Rio de Janeiro.


Condenação

E aí quem deu a deixa para mais um lance heróico foram seus próprios inimigos, os juízes portugueses. Disseram: “Os juízes desse tribunal condenam ao citado réu a que, com baraço e pregão, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca”. Ou seja, os portugueses se esmeraram para fazer da via-crúcis de Tiradentes, da cadeia ao patíbulo, um show macabro, público, que atraísse a maior audiência possível.
À frente do cortejo ia a cavalaria com suas fanfarras, depois o clero, os franciscanos e a irmandade da misericórdia de São Cristovão rezando salmos. Foi ordenado que todas as casas tivessem suas janelas cobertas, e era proibida qualquer palavra de piedade. No seu martírio, Tiradentes teve até pausa para uma oração, na frente da Igreja da Lampadosa.

Lenda Urbana

Como é que você pode não associar essa cena à via-crúcis de Jesus Cristo? Com essa exibição pública de Tiradentes, os portugueses queriam dar um exemplo. Eles não contavam que Tiradentes interpretaria seu último papel de forma tão heróica – quase religiosa.
Mas essa associação entre Tiradentes e Jesus Cristo, essa imagem de um Cristo cívico, só apareceu cem anos depois de sua execução, de seu martírio. Era o final do século 19, quando a República dava seus primeiros passos. Os republicanos se apropriaram dessa história que, vá lá, tinha se tornado uma lenda urbana, e a transformaram no primeiro feriado da República brasileira. Aí nasceu esse Tiradentes de barba e cabelos longos que habita nosso imaginário. Parece com alguém que você conhece?

Tiradentes?

A verdade é que ninguém sabe como era a verdadeira fisionomia de Tiradentes. Os testemunhos são muito raros. Para começar, certamente a pessoa enforcada no dia 21 de abril de 1792 não tinha nada a ver com o condenado. O depoimento do Frei Penaforte, confessor de Tiradentes em seus últimos momentos, diz que o réu estava “com a barba e a cabeça raspadas”.
Tiradentes não tinha nem barba nem cabelo. Sabe como é que surgiu essa história aqui? Quando teve o primeiro feriado da República, a República concluiu que não tinha herói, nem história. Então, contratou um artista, o Décio Villares, que fez barba cabelo e bigode no Tiradentes.
Essa imagem deu tão certo que até os monarquistas tentaram pegar carona nela. O Visconde de Taunay acusou os republicanos de quererem monopolizar a imagem do Tiradentes. Ele disse que D. Pedro I, o Império, já tinha realizado o sonho de Tiradentes: a independência do Brasil.


Mito

Tiradentes virou mito para quem quisesse. Ele foi herói da República, herói da esquerda. Portinari, pintor comunista, chegou a retratá-lo com a cara de Luiz Carlos Prestes, durante a marcha da Coluna Prestes.
Quando houve o golpe militar de 1964, uma das primeiras decisões do primeiro general presidente, o Castelo Branco, foi fazer que o Tiradentes se tornasse o patrono da Pátria. E fez mais: decidiu que todas as repartições públicas do Brasil deveriam ter efígie de Tiradentes. Como não havia uma efígie conhecida, ele escolheu a sua própria, já que todo mundo tinha escolhido uma, ele escolheu a dele. E foi uma estátua. A estátua de Francisco de Andrade, que fica na frente da Assembléia, exatamente onde era a cadeia da qual Tiradentes saiu para ir até o local da execução.
Mas essa lei acabou não pegando, porque parece que a história não se faz por decreto. Alem de a lei não pegar, os militares ainda tiveram de amargar com o fato de um teatro de contestação, um teatro engajado como era o Teatro de Arena, também se servir da Tiradentes. Tiradentes serviu para todos os fins de todos os usos – e, pelo jeito, continua servindo...
Quando teve a primeira festa republicana, os republicanos quiseram tapar uma estátua que eles chamaram de “trambolho de bronze” e disseram que essa estátua profanava a memória nacional e que a verdadeira memória nacional era o Tiradentes, que era o brasileiro que tinha lutado pela liberdade, ao passo que aqueles ali eram portugueses.
“Tiradentes tá aqui / Na praça eu vou falar / A avó dele, do Pedro, quem mandou enforcar / (…) Mas você pra mim, parceiro, você foi é um herói / Ele está aqui do seu lado, a vó dele não conheci / Mas você pessoalmente, já te estudei e te vi / Vou mandando esse papo, eu aqui não tenho medo… Aí D. Pedro, na moral, sou mais o Tiradentes, valeu?”
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Fonte: Portal Amazônia com informações do Fantástico.globo - NR
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Lusmar Paz
Aracoiaba - CE.

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